Oito anos e meio após a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, a reforma agrária ainda enfrenta entraves no país. Apesar dos avanços conquistados na área social, a concentração de terra cresceu cerca de 1%, segundo dados divulgados em 2009 pelo IBGE. Com isso, os índices de desigualdade aumentam, a agricultura familiar perde espaço e o setor produtivo no campo sofre desvalorização. Fica para o governo Dilma retomar a questão, apresentando uma política mais efetiva para o problema.
Por Fabíola Perez
Eles acordam e logo cedo já vão para as cooperativas cuidar da plantação. Lá, os pequenos agricultores cultivam arroz, feijão, alface, mandioca, entre outros produtos que compõem o prato dos brasileiros. Mais precisamente, 75% dos alimentos produzidos e consumidos no país vêm da agricultura familiar e 25% ficam por conta do agronegócio.
“O objetivo do agronegócio não é produzir alimentos que vão para a mesa das pessoas, ele está voltado à produção de soja, milho, cana-de-açúcar e carne bovina. Quase 100% dessa produção são destinados à exportação, e o Brasil tem se especializado cada vez mais em produzir essas commodities”, explica o membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Antonio Neto.
De acordo com Neto, a política de reforma agrária que existe hoje no Brasil é uma continuidade dos últimos anos. “Uma política que não enfrenta o latifúndio, não mexe na concentração de terra, que é a raiz do problema”. O coordenador explica que o principal problema do agronegócio é que ele mantém uma estrutura histórica baseada na concentração de renda, de terra, na monocultura e na exportação. “O agronegócio demanda uma grande quantidade de terra especializada e de agrotóxico. O Brasil se tornou um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo. Cada brasileiro consume seis litros de agrotóxicos por ano”, estima Neto.
A política de geração de empregos no campo, segundo Neto, também não é incentivada pelo agronegócio. Ao contrário, com a produção muito mecanizada, um hectare de terra é capaz de produzir apenas um emprego direto. Com a agricultura familiar, explica ele, o número de trabalhadores empregados chega a quadruplicar. “Somos a favor de uma tecnologia que favoreça a produção diversificada”.
Para João Pedro Stedile, membro da coordenação nacional da Via Campesina e também do MST, a necessidade de um programa sério e massivo de reforma agrária para fixar a população no campo e combater o êxodo rural é pujante. O movimento defende um programa de difusão de agroindústrias cooperativas por todo o país, combinado com políticas de produção de alimentos sadios, preservação de sementes e difusão de técnicas agroecológicas, que evitem o uso de agrotóxicos.
Para o secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e vice-presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), David Wylkerson Rodrigues de Souza, a alternativa mais eficiente para promover a reforma agrária no país ainda é a mobilização dos agricultores e uma pressão mais efetiva por parte do governo. “Acreditamos na conscientização das massas, sem atingir direitos de terceiros, mas reivindicando o direito daqueles que querem um pedaço de terra para plantar e produzir”, enfatiza.
Atualmente, cerca de sete milhões de trabalhadores rurais não têm acesso à terra. Para Wylkerson, um dos fatores responsáveis pela má distribuição de terra no Brasil é a falta de vontade e de decisão política. “Só com os instrumentos criados pelo governo não houve muitos avanços. Existe uma desigualdade na ocupação dos espaços de poder, o poder econômico, por exemplo, está nas mãos do latifúndio”, explica o secretário.
Balanço de governo
Embora a concentração de terra tenha sofrido um aumento durante da gestão do ex-presidente Lula, uma das políticas que merece reconhecimento, segundo Wylkerson, é a dos assentamentos. De acordo com o secretário-geral da Contag, a qualidade e a infraestrutura oferecida nos assentamentos evoluiu. “Quando uma área é transformada em assentamento, lutamos para a região ter eletrificação, saneamento básico e condições mínimas para viver”, conta ele. “Nesse aspecto, a política evoluiu bastante. Antes, só se dava a terra para o agricultor se virar, hoje as residências são de mais qualidade”.
Para Wilkerson, foi também durante os últimos anos que os movimentos sociais deixaram de ser marginalizados. “O governo reconheceu a importância da luta política pelo direito à terra e passou a estabelecer um diálogo com os movimentos sociais ”, afirma. Para o próximo ano de governo da presidente Dilma Rousseff, o secretário revela que a Contag terá como desafio a revisão dos índices de produtividade da terra. Com isso, explica ele, a tendência natural é que a concentração de terra diminua e haja um estímulo para o desenvolvimento no campo.
No último mês de maio, o governo lançou o Plano Nacional de Erradicação da Pobreza Extrema, que pretende contemplar 1,5 milhão de famílias que ainda não têm acesso ao Bolsa Família e vivem em condição de pobreza extrema. Entretanto, para o membro da coordenação do MST, a miséria não será combatida sem a implementação da reforma agrária. “Queremos uma política de geração de empregos que valorize a atuação no campo, que direcione recursos e permita a prática de uma política de agroindustrialização”, defende Neto.
Os números são alarmantes. A sociedade brasileira está entre as dez mais desiguais do mundo. Apenas 5% das famílias mais ricas controlam quase metade de toda a riqueza produzida a cada ano. Um por cento dos grandes proprietários de terra que possuem fazendas acima de mil hectares são donos de 40% de todas as terras do país. É sob este contexto que Neto caracteriza a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) como porta-voz do agronegócio. “A CNA centraliza os maiores produtores rurais, os grandes responsáveis pelas mortes no campo. E ainda quer propagandear que o agronegócio é o responsável pelo desenvolvimento no país”, ressalta.
Agroindustrialização
Para o agrônomo e secretário de Organização do PCdoB-SP, Marcelo Cardia, o Brasil conheceu algumas oportunidades históricas para promover a reforma agrária. “Desde o fim da escravidão, quando a mão de obra deixou de ser escrava, passando pela revolução de 1930 e pelo golpe militar de 1964, até a Nova República, em 1988, a política brasileira criou cenários favoráveis a uma melhor distribuição de terras”, analisa ele.
Segundo Cardia, até a década de 1960 a maioria da população era rural e a minoria, urbana. “No início dos anos 1960, a reforma agrária era necessária para o desenvolvimento das forças produtivas no campo. Após esse período, o capitalismo passa a ser hegemônico, então, a reforma agrária deixa de ser necessária para o desenvolvimento econômico do capitalismo. O capitalismo se desenvolveu no campo e o Brasil é uma potência agrícola”, explica.
Cardia avalia que atualmente a reforma agrária deve ser compreendida não apenas como uma redistribuição de terras. “Antigamente, para se produzir, bastava oferecer a terra e o trabalho. Hoje, é necessário oferecer a terra, o trabalho e os insumos de serviços industriais como, por exemplo, máquinas e sementes. A cadeia produtiva tem uma série de exigências”, pontua ele. “A agricultura faz parte dessa cadeia, que não pode ser tratada de maneira isolada. O seu desenvolvimento depende da indústria e do comércio”, alerta.
É da ideia de que não existe reforma agrária sem um processo de industrialização que nasce o conceito de agroindustrialização. Cardia ressalta que, mesmo com um aumento na concentração de terra, o Brasil desenvolveu sua agricultura. Para ele, o modelo ideal de reforma agrária está baseado na distribuição de terras com base na organização de cooperativas, agroindústrias e na agricultura familiar.
“A terra deve ser parcelada em forma de propriedade familiar, em regime cooperativo, com acesso ao crédito e à técnica, a equipamentos, preço mínimo, seguro agrícola, e direcionada para uma agroindústria avançada, de modo a elevar a qualidade de vida dos trabalhadores e de suas famílias”, defende Cardia
Portal Vermelho
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