A Câmara dos Deputados aprovou a regulamentação da Emenda 29, que determina os percentuais mínimos das verbas para investimentos na saúde nos âmbitos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Um dos objetivos da Emenda 29, que agora segue para o Senado, é esclarecer que tipo de gastos podem ser considerados investimentos na saúde, para evitar que o dinheiro seja usado para outras finalidades.
No entanto, a votação veio acompanhada de uma polêmica: o debate para a criação de um novo imposto que financiasse esses gastos.
Por 355 votos a 76 e 4 abstenções, os deputados aprovaram um destaque do DEM que retira a base de cálculo da Contribuição Social para Saúde (CSS), acabando com a possibilidade que um novo imposto seja criado para financiar a saúde.
De um lado, o Congresso vinha resistindo à criação de um novo imposto, por conta do ônus político que ele representa. De outro, o governo vinha insistindo para que, ao votar a regulamentação da emenda, os congressistas definissem de onde viria o dinheiro para financiá-la.
Entenda o que é a Emenda 29 e que impactos sua aprovação trará à saúde.
O que é a Emenda 29?
A emenda foi aprovada inicialmente em 2000, determinando os valores mínimos que governos federal, estaduais e municipais devem gastar na área da saúde.
Os municípios devem aplicar no mínimo 15% da arrecadação de impostos; os Estados, 12%; e a União deve corrigir os gastos do ano anterior de acordo com a variação nominal do PIB.
O que acaba de ser votado na Câmara?
O que foi aprovado é o projeto de lei 306/08, que regulamenta a Emenda 29 e que aborda:
- Quais gastos podem ser contabilizados como investimentos em saúde;
- As receitas da União a serem aplicadas na saúde;
- Uma nova fonte de recursos para a saúde: o texto base do projeto de lei aprovado em 2008 no Plenário previa a criação da Contribuição Social da Saúde (CSS), nos moldes da extinta CPMF.
Vai haver um novo imposto?
Na Câmara, deputados rejeitaram a criação de um novo imposto para a saúde
Esse é o principal motivo da polêmica. O texto base do projeto em debate prevê a criação da CSS, mas um destaque do DEM - e aprovado pelo Plenário - retira da redação a base de cálculo da taxa, inviabilizando, assim, sua cobrança.
O governo critica a aprovação do texto sem a definição de uma fonte de recursos. Já a oposição diz que os recursos devem vir do próprio orçamento, a partir de melhorias de gestão.
O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), disse, segundo a Agência Câmara, que não há "clima político" para a criação de um novo imposto e pediu que os recursos venham de readequações no orçamento e de áreas como os royalties do petróleo. Também levantou-se a hipótese de elevar os impostos sobre cigarros e bebidas alcoólicas.
O deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) disse à BBC Brasil, porém, que o dinheiro do petróleo não vai resolver o problema, já que é uma fonte de renda variável.
Quais os argumentos relacionados ao eventual novo imposto?
O tucano Álvaro Dias rejeitou a aprovação da nova cobrança, dizendo que "os recursos existem, é uma questão de prioridades" e citando um estudo do Banco Mundial que sugere melhorias na gestão do SUS (Sistema Único de Saúde).
O petista Vaccarezza disse que há melhorias em curso e que governo está colocando na saúde "tudo o que é exigido", mas, mesmo assim, o setor "vai eventualmente precisar de recursos adicionais, e vamos discutir isso com a sociedade".
Arthur Chioro, do conselho de secretarias municipais, diz por sua vez que "não é possível ter um sistema universal da saúde sem se discutir quem vai pagar a conta. É hipocrisia".
"Temos como aperfeiçoar mecanismos, mas o fato é que a saúde é subfinanciada."
No final de agosto, a presidente Dilma Rousseff também pressionou pela aprovação de uma fonte de financiamento para o setor, dizendo que não queria "presentes de grego" do Congresso. "Quero saber como o investimento necessário para garantir que nosso povo tenha saúde de qualidade vai sair."
"A expectativa é de que a regulamentação assegure um fluxo contínuo de recursos à saúde, dando previsibilidade (às contas do setor) e instrumentos para que a sociedade possa cobrar o uso do dinheiro."
Bento Cardoso dos Santos, coordenador do programa de gestão em saúde do Insper
A posição, porém, contrasta com um discurso de campanha da então candidata a presidente, em 2010, assumiu o "compromisso de lutar pela Emenda 29" justamente em defesa dos "princípios de universalização de melhoria na qualidade da saúde".
A regulamentação da emenda trará benefícios?
É o que preveem os observadores. Para Bento Cardoso dos Santos, coordenador do programa de gestão em saúde do Insper, "a expectativa é de que a regulamentação assegure um fluxo contínuo de recursos à saúde, dando previsibilidade (às contas do setor) e instrumentos para que a sociedade possa cobrar o uso do dinheiro".
Atualmente, os Estados são criticados por contabilizar como gastos com saúde investimentos em áreas como saneamento básico e pagamento de planos médicos a servidores públicos, por exemplo.
Com a regulamentação, para que sejam considerados gastos com a saúde, os investimentos deverão atender a pré-requisitos, como serem destinados a ações e serviços de acesso universal e serem de responsabilidade específica do setor de saúde.
Para o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), a regulamentação evitará os desvios de finalidade dos recursos, "trazendo mecanismos para evitar que governos façam contabilidade falsa" e dando "condições (de fiscalização) para os tribunais de contas".
Os repasses para a saúde vão aumentar?
Dilma pediu que Congresso definisse uma fonte de financiamento para a saúde
Isso não está claro. Dependerá, por exemplo, de eventuais alterações na base de cálculo da origem dos recursos.
Em uma distorção no texto, o projeto mudou o montante que serve de base para calcular os 12% que os Estados devem repassar a saúde. Esse montante deixa de incluir o dinheiro do Fundeb (fundo de recursos destinados à educação).
Na prática, isso significa que os 12% são calculados em cima de um montante de dinheiro menor – o que deve reduzir entre R$ 6 bilhões e R$ 8 bilhões dos repasses estaduais ao setor, segundo cálculos de diferentes partidos.
Acredita-se, porém, que o item relacionado ao Fundeb deva ser corrigido quando o texto chegar ao Senado para votação, após passar pela Câmara.
No âmbito das cidades, muitas dizem já estar sobrecarregadas por já gastarem mais do que são obrigadas por lei com a saúde.
"A maioria dos municípios já aplica mais de 15% com a saúde; alguns, acima de 30%. O grande ganho (da emenda) será definir quais gastos poderão ser feitos (no setor)", disse à BBC Brasil Arthur Chioro, presidente do conselho de secretarias da saúde municipais e secretário da Saúde de São Bernardo do Campo (SP).
FONTE: BBC Brasil
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