Do Blog Viomundo
Editorial da revista Divulgação em Saúde para Debate, do Cebes, via blog Saúde Brasil, sugerido pelo médico Paulo Moraes
Ninguém hoje questiona que o Sistema Único de Saúde, integral e universal, foi uma conquista da sociedade brasileira. No contexto da luta pela redemocratização do país, um somatório de forças oriundas do movimento popular, da academia, dos trabalhadores da saúde e de partidos políticos foi decisivo para inserir na Constituição de 1988 a já consagrada inscrição: “a saúde é direito de todos e dever do Estado”.
A implantação desse modelo, universal e integral, coincidiu com o período de avanço das políticas neoliberais no Brasil, a partir do governo Collor. Princípios fundamentais do SUS, como a própria participação popular e controle social sobre a política pública, foram conseguidos apenas com muita luta do chamado Movimento Sanitário, já que inicialmente vetados pelo então presidente pela ocasião da promulgação da lei orgânica do SUS (Lei 8080/90).
O avanço das políticas e da ideologia neoliberal, frontalmente opostas à proposta do Sistema Único de Saúde, traduziu-se na prática em um paradoxo que até hoje, mais de 20 anos depois, ainda emperra a ampliação e consolidação do SUS: se, por um lado, temos a garantia constitucional da saúde como direito inalienável de cidadania, por outro, tivemos uma progressiva “contra-reforma” do Estado Brasileiro, tornando-o cada vez mais incapaz de cumprir sua função constitucional na Saúde.
Essa “contra-reforma” do Estado tem várias facetas: a limitação imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal à contratação de trabalhadores para a saúde, os modelos de gestão privatizantes (como as famigeradas Organizações Sociais – OSs) que surgem justamente como saída para “driblar” essa limitação… decerto são empecilhos graves à expansão e consolidação do SUS.
A deficiência mais aguda, mais facilmente sentida pela população que é usuária do sistema, contudo, diz respeito claramente à questão do financiamento. Inicialmente, o SUS tinha como seu orçamento-base a receita equivalente a 30% do orçamento da Seguridade Social – garantido nas disposições transitórias da própria constituição.
Tal dispositivo constitucional nunca foi cumprido, e desde então o Movimento da Reforma Sanitária vem acumulando uma série de derrotas sucessivas: o fim da vinculação da chamada solidariedade das contribuições previdenciárias com a saúde; a CPMF, que surgiu como esperança de recompor a perda, mas que foi anulada pelos desvios de função e pela criação do então Fundo Social de Emergência (hoje chamado de Desvinculação das Receitas da União – DRU); a Emenda Constitucional 29, que fixou a participação de Estados e Municípios, mas que somente estabilizou o investimento da União.
A regulamentação da Emenda 29, bandeira de luta do Movimento Sanitário nos últimos 10 anos, finalmente foi aprovada no final de 2011; entretanto, significou mais uma derrota. O movimento social, organizado em torno da “Primavera da Saúde”, reivindicava que a contribuição da União fosse fixada em no mínimo 10% das receitas correntes brutas, mas o texto aprovado pelo Congresso apenas oficializou o que já vinha acontecendo na prática, ou seja, a manutenção do piso do ano anterior acrescido de percentual equivalente à variação nominal do Produto Interno Bruto.
Ainda vivendo a “ressaca” da perda da batalha pela regulamentação da Emenda 29, o Movimento da Reforma Sanitária, articulado a diversas entidades e movimentos sociais da sociedade civil, lançou em março último o Movimento Nacional em Defesa da Saúde Publica, tendo como principal instrumento de luta a proposição de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular que estabelece o piso de investimento da União em 10% das receitas correntes brutas.
A insistência do Movimento Sanitário em garantir uma fonte de financiamento minimamente suficiente e estável encontra sustentação na necessidade de garantir a possibilidade de efetivamente fazer acontecer um Sistema Único de Saúde da forma como foi conquistado na Constituição.
À medida que esse financiamento vem sendo sistematicamente negado, a credibilidade e legitimidade do SUS perante a população vem progressivamente caindo. Enquanto permanece inalterada a negativa do Estado brasileiro em prover o SUS dos recursos necessários ao seu pleno desenvolvimento, existe uma máquina de propaganda ideológica operando no sentido de consolidar junto à sociedade brasileira a noção de que os serviços públicos (saúde incluída) são ineficazes e ineficientes, ante a propalada eficiência da iniciativa privada.
Com o crescimento econômico e redução da pobreza experimentados nos últimos anos, o que temos observado é o crescimento progressivo de planos e seguros de saúde privados, que já há algum tempo demonstram padecer da mesma ineficiência em prover uma assistência à saúde de qualidade que tem sido atribuída ao SUS.
Entretanto, no imaginário da população, adquirir um plano de saúde tem se consolidado como objeto de desejo e investimento prioritário para boa parte dos milhões de brasileiros que tem deixado o limiar de pobreza para trás nos últimos anos, a despeito da comprovada insuficiência desses planos e seguros, especialmente esses de baixo custo que estão ao alcance da chamada “nova classe média”.
Ao mesmo tempo, recente pesquisa realizada pelo IBOPE mostra que a saúde é o principal problema identificado pelos eleitores; 37% destes consideram-na prioridade, número bem superior ao alcançado pela segunda colocada, a segurança pública, considerada prioridade por 16% dos entrevistados.
É neste cenário que o CEBES, juntamente com várias entidades e movimentos sociais, vêm mais uma vez propor à sociedade brasileira a necessidade de se garantir o financiamento do SUS. Um sistema universal e integral, como foi inscrito na Constituição, tem um preço social a ser pago. E esse preço é substancialmente superior ao que o Estado brasileiro tem destinado, daquilo que é arrecadado da sociedade brasileira, à saúde pública.
O sucesso dessa nova investida vai depender fundamentalmente da capacidade dos movimentos e entidades que compõem o Movimento Nacional em Defesa da Saúde Publica em restabelecer sua capacidade de diálogo e mobilização no conjunto da sociedade brasileira.
O formato de um projeto de lei de iniciativa popular favorece isso. São necessárias mais de 1 milhão de assinaturas para que o projeto possa ser apresentado. Conseguir essas assinaturas, mais do que um esforço de estrutura e organização, significará (ou não) uma expressiva adesão da sociedade brasileira, novamente, à ideia de que a saúde é um direito de todos que precisa dos recursos necessários para ser garantido.
O instrumento e a força de mobilização e militância estão lançados.
É a oportunidade e a hora da sociedade brasileira abraçar o SUS, e dizer claramente que sua saúde é prioridade, e que deve ser provida pelo Estado brasileiro.
Vamos à luta!
Diretoria Nacional do Cebe
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