quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Ligia Bahia:“O SUS nos tornará mais humanos”


Reproduzimos entrevista da professora Ligia Bahia do Blog Viomundo de Luís Carlos Azenha por achar muito adequado a este período em que estamos assistindo as tentativas de prizatização do SUS pelo mercado priado de saúde, confiram:


O orçamento da Seguridade Social, embora formalizado em todas as leis orçamentárias, jamais foi executado, constata Ligia Bahia
por  Graziela Wolfart,   IHU On-Line, sugestão de FrancoAtirador
“Considero que o SUS nos tornará mais humanos e, portanto, mais brasileiros, na medida em que nos convencermos que a saúde é necessariamente um bem coletivo tal como deve ser a educação e outras políticas sociais”. A opinião é da médica sanitarista Ligia Bahia, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Para ela, “temos um sistema universal definido na legislação. Mas a denominada nova classe média pretende consumir planos privados de saúde. O aprofundamento da segmentação do sistema de saúde brasileiro virá acompanhado de mais injustiça e discriminação, porque os planos privados destinados aos novos contingentes de consumidores têm coberturas reduzidas e baixa qualidade assistencial”.
Médica-sanitarista, Ligia Bahia é doutora em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz e professora adjunta da Faculdade de Medicina e do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem graduação em Medicina pela UFRJ e mestrado em Saúde Pública pela Fiocruz.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que é preciso para “convencer a sociedade sobre o SUS”?

Ligia Bahia – Considero que o SUS nos tornará mais humanos e, portanto, mais brasileiros, na medida em que nos convencermos que a saúde é necessariamente um bem coletivo tal como deve ser a educação e outras políticas sociais. Ainda há setores da sociedade que enxergam a saúde como mero objeto de consumo. Isso é um grave equívoco, porque estamos submetidos a riscos coletivos como ocorre, por exemplo, com os alimentos que ingerimos com agrotóxicos. E também ao sermos atendidos em serviços de saúde que recebem como input processos coletivos, como é o caso da formação de recursos humanos para a saúde. A recente doença de uma personalidade internacional como o Steve Jobs explicita claramente que a saúde não é “comprável”.
IHU On-Line – Quais os rumos do SUS, em sua opinião? Caminhamos para um apartheid na saúde ou estamos mais perto de organizar um sistema nacional de saúde abrangente e igualitário?

Ligia Bahia - Estamos no meio do caminho. Temos um sistema universal definido na legislação. Mas a denominada nova classe média pretende consumir planos privados de saúde. O aprofundamento da segmentação do sistema de saúde brasileiro virá acompanhado de mais injustiça e discriminação, porque os planos privados destinados aos novos contingentes de consumidores têm coberturas reduzidas e baixa qualidade assistencial.
IHU On-Line – Como concilia os sistemas privado e público de saúde o cidadão brasileiro que assim o pode? Como se dá essa mistura entre público e privado na saúde?

Ligia Bahia - De muitas maneiras. A mais visível é usar o SUS para a realização de procedimentos de alto custo não cobertos pelos planos privados. E a menos detectável é o fato de serem os mesmos profissionais que atuam em ambos os subsistemas. Além disso, quem paga plano privado de saúde pode abater os gastos no pagamento de impostos.
IHU On-Line – Como vê a Emenda Constitucional n. 29? Concorda que não há a necessidade de um novo imposto para financiar a saúde no Brasil?

Ligia Bahia - Penso que a primeira tarefa é buscar reorientar os recursos disponíveis. A Constituição criou duas novas fontes de receitas para a seguridade social que, somadas às anteriores, deveriam financiar saúde, Previdência Social e Assistência Social. O uso desses recursos foi desviado de sua finalidade. O orçamento da Seguridade Social, embora formalizado em todas as leis orçamentárias, jamais foi executado.
IHU On-Line – Como pode ser implementada a política de ressarcimento ao SUS?

Ligia Bahia – Seria necessário que houvesse a identificação dos pacientes por meio de um código para que o atendimento de clientes de planos de saúde fosse rastreado. O Brasil dispõe de sistemas de informação bem sofisticados em outras áreas. O ressarcimento não ocorre porque há muita resistência por parte das empresas de planos e seguros de saúde. Se o ressarcimento for viabilizado, teríamos a exata noção dos problemas de coberturas dos planos privados.

IHU On-Line – Como a classe média vê o SUS?

Ligia Bahia – Como um caos. Um conjunto de serviços deficientes voltados para o atendimento de quem não pode pagar. A face da importância dos serviços públicos para a formação de recursos humanos e pesquisa e da não mercantilização do atendimento no SUS não é devidamente valorizada.


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